Ditadura e peste emocional: a experiência argentina na Copa do Mundo de 1978
Argentina vence suspeitosamente a seleção peruana por seis a zero.
Por Raúl Enrique Rojo*, em Sul21
Este texto foi preparado para o seminário “Reflexões sobre o desenvolvimento de Porto Alegre”, realizado na Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em março passado, organizado pela Comissão de Economia, Finanças, Orçamento e MERCOSUL (CEFOR) da Câmara Municipal de Porto Alegre.
Primeiramente contextualizemos a disputa da Copa Mundial de Futebol na Argentina, em 1978. O país estava sumido, havia dois anos, na mais escura e sanguinária ditadura de sua história. O regime militar imperante, com certeza, não tinha atraído a disputa para a margem direita do Prata (já que, como sabem os brasileiros, estas decisões são tomadas com bastante antecedência(1), mas decidiu apropriar-se dela e usá-la como álibi propagandístico para consumo externo. Decidiu usar também como uma cortina de fumaça que não só escamotearia a pobreza das periferias e a dissensão das maiorias, mas, sobretudo, ofuscaria a usurpação do poder que estava em sua origem e o contemporâneo plano de sequestro, tortura e morte de seus oponentes e até dos que tinham tido a desgraça de despertar a cobiça de algum uniformizado ou de estar no lugar indébito no momento inapropriado, ou presenciado o que deveriam ter ignorado.
Houve, porém, mais. Estas realidades deram evidentemente outra importância ao Campeonato Mundial, a sua organização e a participação nele da seleção nacional. Em torno desta e da obtenção da Copa foi se criando uma sorte de mística nacionalista e de epopeia triunfalista que deveria galvanizar as multidões e enfileirá-las por trás dos governantes fardados, apagando toda divergência de opiniões e de interesses.
Já na primeira reunião da Junta Militar, celebrada no dia do golpe de Estado (24 de março de 1976) parece que seus membros falaram de futebol. O almirante Emilio Massera comunicou então ao general Jorge Rafael Videla que Argentina tinha que confirmar sua decisão de organizar a Copa de 1978 e que esta não custaria mais de setenta milhões de dólares. Videla teria afirmado que ainda que custasse cem milhões não haveria problemas (2). Finalmente “vinte e cinco milhões de argentinos”, como dizia a assinatura musical associada ao evento(3), acabaram pagando setecentos milhões de dólares por ela(4). E isso sem contar o meio milhão de dólares gasto pelo governo militar com a empresa norte-americana de comunicação e relações públicas Burson-Marsteler, recomendada por Henry Kissinger, para combater uma campanha contra a realização da Copa na Argentina que começava a ganhar espaço na mídia (5). Com efeito, pouco depois do golpe de 1976, em alguns países europeus se tornou evidente que a Argentina tinha se convertido em um grande campo de concentração. Por isso João Havelange foi pressionado para levar a disputa da Copa para o Brasil. Pablo Llonto, jornalista e advogado defensor dos direitos humanos, afirma, na sua detalhada obra sobre o Mundial de 1978, que o regime militar argentino ficou com a organização do torneio em troca (mediada por Havelange) da liberação de Paulo Antônio Paranaguá, filho de um diplomata brasileiro, detido pelo exército argentino em 1977 junto com sua noiva(6). Havelange se tornaria um firme apoiador do regime argentino e como tal foi condecorado por Videla durante a cerimônia de inauguração(7).
A realização e a conquista da Copa de 1978 foi o primeiro de três objetivos que perseguiram os militares argentinos em suas ânsias de se perpetuar no poder. O segundo era uma guerra relâmpago contra o Chile pelas ilhas do Canal de Beagle, interrompida no final desse mesmo ano, graças a mediação do Vaticano. Quanto ao terceiro, o enfrentamento com a Grã Bretanha pelas Ilhas Malvinas, foi o atestado de óbito do regime e atestou o retrocesso histórico das Forças Armadas no país. A Copa de 1978, portanto, satisfez as aspirações dos militares e foi a detonadora das temerárias aventuras posteriores.
O Campeonato Mundial de Futebol foi utilizado pelo regime para amortecer o impacto de suas políticas e desviar a atenção em torno do terror. Os gritos de gol abafaram os gritos de dor dos torturados. Os cânticos nas tribunas silenciaram os alaridos dos desaparecidos. A Copa foi um instrumento do qual se valeu a ditadura para afastar a população da angustiante verdade.
É certo que influiu naquele sucesso político do esporte a capacidade ainda intacta dos militares argentinos para manipular os sentimentos coletivos e a cumplicidade internacional. Mas é importante observar hoje que tais objetivos e estratégias, próprios de um regime ditatorial e perverso do passado, continuam à espreita dos governos democráticos de nossos dias. Muitos podem ver-se tentados a aproveitar competências de grande repercussão nacional e mundial, como a Copa da FIFA, para afogar na euforia unanimista das palavras de ordem as dificuldades políticas ou econômicas. O certo é que, na Argentina de 1978, a idolatria do futebol desempenhou o papel de uma miragem mistificadora(8) que pretendeu dissimular os segredos vergonhosos de uma empresa criminal. A função da exaltação coletiva das massas populares pela Copa e a seleção nacional de futebol consistiu em uma sorte de evasão onírica, de diversionismo social ou do que Eric Fromm tem chamado de “válvula de escape” que permitiu por então a reabsorção dos indivíduos na massa anônima, no “conformismo dos autômatos”, para falar uma vez mais como Fromm(9).
Se algum valor exemplar pode ter a Copa de 1978 na Argentina, e particularmente na sua capital, é o de servir de anátema, de enérgica reprovação a um modelo que não deve ser imitado. Lembremos, apenas, alguns “momentos fortes” daquela Copa: o mais que sugestivo triunfo da equipe argentina frente à do Peru (a quem precisava ganhar por quatro gols para ir à final e acabou vencendo por 6 a 0)(10); a bomba que estourou na casa (nada menos que) do Secretario da Fazenda da Nação, Juan Alemann (que por razões econômicas, tinha se oposto à organização da Copa) quando a seleção argentina fez o quarto gol na partida contra os peruanos; e, por fim, a tristemente célebre manifestação de populares na Praça de Maio, sob os balcões da Casa Rosada, após a conquista do Campeonato, aplaudindo o genocida Videla como o factótum do triunfo.
O mais dramaticamente hilário é que esta empresa de descerebração (se teve marcados resultados internos) rendeu muito pouco em nível internacional ao regime militar. Quase todos os jornalistas credenciados para a cobertura da Copa fizeram eco da ditadura imperante e aproveitaram a vinda ao país para dar voz aos dissidentes. Recordo que na França o programa diário que transmitia de Buenos Aires as notícias da Copa tinha a guisa de apresentação gráfica um gol do qual pendurava uma rede de arames farpados. Já nas arquibancadas do “Monumental de Nuñez”, os turistas perguntavam pela Escola de Mecânica da Armada (Marinha), o maior e mais conhecido campo de concentração do regime, que se achava a menos de dez quadras do estádio e era visível desde alguns pontos dele. Lembro também de ter escutado de um cartola da Associação do Futebol Argentino, no seu regresso de uma viagem internacional, que: “nem com três mundiais de futebol limparíamos a barra!”.
Do ponto de vista urbanístico, a Copa de 1978 poderia ser o reverso dos Jogos Olímpicos de 1992 em Barcelona, quando um grande acontecimento internacional completou a renovação da cidade. Para Buenos Aires, sede principal do torneio, o acontecimento serviu para realizar uma série de operações urbanísticas de grande impacto (e não só vinculadas à renovação da infraestrutura esportiva), ainda que com intenções muito diversas às da capital catalã, pois em todas estas operações apareceria a concepção modernizadora autoritária e tecnocrática que inspirava o regime, e seu desprezo pelo dissenso e a cidade histórica.
A ditadura decidiu utilizar para a ocasião dois dos estádios existentes na cidade, escolhidos por suas respectivas localizações: o chamado “Monumental”, do Clube Atlético River Plate, no rico corredor do norte portenho, e o “Fortim”, do Clube Atlético Velez Sarsfield, no bairro de Liniers, no Oeste de Buenos Aires, nas proximidades de uma projetada autoestrada e da avenida perimetral General Paz.Os outros grandes estádios de Buenos Aires, todos eles situados na zona Sul, assim como os do vizinho município de Avellaneda, foram descartados. Quanto aos construídos fora da Capital (Mar del Plata, Córdoba e Mendoza), não têm passado de caríssimos elefantes brancos que só lotam uma ou duas vezes por ano e se deterioram à vista e paciência de todos. No que tange aos de Buenos Aires, ainda que se justificasse que ambos os estádios tinham sido escolhidos pela possibilidade de aproveitar suas instalações, eles foram renovados integramente, dotados de uma tribuna completa (no caso do “Monumental”) e de amplos setores para espectadores sentados (no “Fortim”). Com acessos modernizados, ganharam painéis eletrônicos, colunas, passarelas e iluminação com a tecnologia mais avançada. Tudo com recursos públicos e apenas valores simbólicos por parte dos clubes(11).
A renovação dos estádios trouxe também operações sobre o entorno urbano destinadas a eliminar todo sinal visível de algo que pudesse constituir prejuízo na imagem do país. Para isto, implementou-se um plano de erradicação das vilas situadas em zonas próximas aos estádios onde se disputariam as partidas ou em zonas de interesse turístico. A primeira grande experiência de erradicação se produz entre fins de 1977 e começo de 1978 na vila do Baixo Belgrano, que ocupava uns onze quarteirões próximos a zonas de jardins e ao estádio Monumental. Depois, a vila de Colegiales, situada em um extenso e desativado pátio de manobras das estradas de ferro da linha Mitre. Neste caso, a decisão de despejo compulsório também incluiu um clube que possuía havia mais de vinte anos, a título precário, sua sede na vizinhança da vila. Nestas terras o governo municipal se limitou a traçar novas ruas, já que os quarteirões ficaram desocupados por vários anos. Um caso distinto foi o da “Vila 40”, que ocupava um imenso prédio no centro da Capital, onde tinham vivido até então 380 locatários, amparados em outros tempos pelo Ministério de Bem-estar Social (extinto pelo regime militar). Uma vez desalojados os ocupantes, as autoridades construíram no lugar uma nova praça pública denominada Monsenhor D’Andrea. Do plano de erradicação restam ainda algumas cicatrizes urbanas como o complexo de monoblocos conhecido (não por acaso) como “Forte Apache”, em Ciudadela, na periferia portenha. Outras “soluções arquitetônicas” foram, todavia, mais tópicas, como o muro construído para esconder dos olhos dos turistas estrangeiros a “Vila 15”, no bairro dos Matadouros, que recebeu por isso o nome popular de “Cidade Oculta”.
Uma obra de grande impacto e preço exorbitante foi o edifício da ATC, Argentina Televisora Color, que ocupou um vasto espaço nos jardins do nobre bairro de Palermo Chico. José López Rega, o “super-ministro” da terceira presidência de Perón, tinha previsto realizar ali um “Altar da Pátria” de reminiscências franquistas. Depois do golpe de Estado de 1976 foi fácil para os militares mudar o destino do lugar para localizar ali a nova tecnologia necessária para a transmissão da Copa ao exterior. Por cima de uma suave lomba vizinha, se achava (por então inconclusa) a Biblioteca Nacional, projetada quinze anos antes por Clorindo Testa, estabelecendo um contraponto interessante no aspecto arquitetônico, mas inquietante quanto às prioridades culturais do regime. Porém, o “detalhe” desconsiderado pelos novos donos do poder foi que o prédio ficaria na rota dos aviões do vizinho aeroporto da cidade, circunstancia que obrigou a arrojadas e caríssimas soluções construtivas que encareceram em mais seis vezes o orçamento original(12).
Quanto a hotéis e aeroportos, ainda que a propaganda oficial falasse de contingentes extraordinários de turistas que chegariam para a Copa, a distância do país dos grandes centros de origem do turismo de massa e o conhecimento das atrocidades do regime fizeram que só alguns torcedores viajassem à Argentina em junho de 1978. A maioria era de brasileiros que aproveitaram a proximidade e que sonhavam com a reprise pela seleção canarinho de suas atuações em Suécia, Chile e México. Construíram-se, assim, poucos hotéis em Buenos Aires, mas destacou-se por sua concepção e tamanho o “Bauen” (hoje autogerido pelos empregados depois da falência dos proprietários). Também se realizaram obras no Aeroporto de Ezeiza, que o deixaram tão pouco acolhedor como era antes para os passageiros, porque, segundo o Almirante Carlos Lacoste, a obra tinha concepção “moderna”, oposta à “velha pieguice argentina” (sic) segundo a qual toda a família deve acompanhar um viajante ao aeroporto.
Afilhado político de Massera, Lacoste alcançou com estes méritos a presidência do Ente Autárquico Mundial 78 (EAM 78) encarregado da gestão da Copa e, depois desta, alguns ministérios e até a presidência provisional da Argentina durante algumas semanas, no interregno entre os generais Viola e Galtieri. Só em 1984 renunciou a sua reeleição como vice-presidente da FIFA, cargo que o conduziu a sua excelente relação com o inamovível João Havelange. As contas do EAM 78 sob sua gestão nunca foram esclarecidas, sendo interessante saber que Lacoste incrementou seu patrimônio em quatrocentos por cento, recebendo apenas uma “repreensão ética” do juiz Miguel Pons por ter especulado no mercado de capitais enquanto era funcionário público. Lacoste é considerado suspeito de estar por trás da bomba a Juan Alemann e da morte em um atentado não esclarecido do general Omar Actis, o primeiro presidente da EAM 78, que queria fazer um Mundial mais austero. Ele foi assassinado em 21 de agosto de 1976, dois dias antes de uma conferência de imprensa na qual iria apresentar seu projeto. Com o assassinato de Actis, Lacoste organizou a Copa a seu gosto e de seus sócios fardados e a paisana(13). E quando acabou o torneio, a Argentina tinha duplicado sua dívida com o FMI…
Se não é, pois, por íntima convicção esportiva, a estrita conveniência moral e material recomenda denunciar a tentação de instrumentalizar um evento como a Copa do Mundo de Futebol. Não acobertemos sob uma fraseologia ufanista sempre disponível a cegueira, a complacência e a subserviência de tantos “amantes do futebol”, dispostos a unir-se no mesmo “oba-oba” populista e a tirar proveito de fundos generosos e gastos sem controle. Por acréscimo, a experiência argentina nos ensina que por trás deste miserável decorado folclórico podem se esconder outros objetivos, invisíveis ou opacos, que concernem a essa massificação regressiva das emoções que Wilhelm Reich denominou “peste emocional”(14). Se para Reich esta noção aparece vinculada a um certo biologicismo, não é menos certo o que dizem dois autores franceses, Jean-Marie Brohm e Marc Perelman (em seu interessante ensaio sobre “a barbárie nos estádios”). Este conceito permite compreender o profundo parentesco de numerosos fenômenos sociais frequentemente desagregados e de fazer associações sumamente instrutivas(15). Qualificando como uma “peste emocional” o resultado da instrumentalização do futebol, Brohm e Perelman têm insistido sobre os efeitos psicológicos de massa que aquela pode trazer. As “paixões esportivas” desatadas desta forma não são, com efeito, anódinas emoções coletivas (identitárias ou igualitárias), mas a expressão do que pode chegar a ser uma “uma patologia social pandêmica”. A manipulação dos certames e sua desvirtuação para servir a fins extra-esportivos, podem favorecer a insidiosa manifestação de uma forma de alienação social que poderíamos qualificar, conforme Eric Fromm, como uma “paixão destrutiva”(16).
Conclusões
Se a sociologia acadêmica de nossos dias tem tendido a esquecer a importância dos fenômenos de multidão, a psicologia social, a Escola de Frankfurt e outras correntes teóricas têm insistido em um aspecto contrário: o papel da psicologia de massa, em particular sobre o que Theodor Adorno chamou de “a monstruosa mecânica da diversão”(17) que, se supõe, deveria lutar contra o aborrecimento e o vazio psicológico da multidão solitária de hoje. Como demonstra o agir dos ditadores argentinos de 1978, o futebol é precisamente um recurso a disposição dos “condutores” que pretendem direcionar as “multidões manifestantes” e as “multidões atuantes”, para retomar a terminologia de Gabriel Tarde(18). São estas multidões as que, quando inebriadas pelo futebol, podem conduzir-se como matilhas guerreiras, matilhas de caça e de linchamento, e às vezes mesmo como multidões criminais cujo comportamento fora das “arenas” constituem espetáculos ordinários periodicamente noticiados pela mídia. O encerramento em espaços fechados (arenas, estádios, autódromos, ginásios), produz isso que o premio Nobel de literatura Elias Canetti denomina também “massa em anel” e que, com diversas descargas emocionais se converte (de massa inerte, passiva e expectante que era) em massa rítmica, excitada e barulhenta.
“O clamor que em outros tempos se acostumava produzir nas execuções públicas quando o carrasco brandia a cabeça do criminoso, é o clamor que se escuta hoje nas manifestações esportivas, tendo-se convertido na voz da massa”, dirá Canetti(19). Esses clamores (rugidos, gritos, brados, vaias e cantos interpretados ao som de cornetas e “vuvuzelas” diversas) são outras tantas descargas de massa que se opõem a outras descargas de massa: massa contra massa, torcida organizada contra torcida organizada, multidões vitoriosas contra multidões vencidas, hordas desencadeadas enfim. Estas manifestações não têm nada de espontâneo, nem são a consequência de inofensivas brincadeiras, mas as preliminares da “peste emocional”, ela mesma resultado de uma alteração profunda da estrutura do caráter das massas a raiz de sua manipulação política: os indivíduos afetados pela peste emocional se distinguem, com efeito, como lembra Reich(20), “por uma atividade mais ou menos destruidora e temerária”. Seu pensamento aparece perturbado por conceitos irracionais e é determinado essencialmente por emoções nas quais a razão não intervém, preparando-os acriticamente para outras cruzadas chauvinistas. Não esqueçamos que entre a Copa de 1978 e a malfadada aventura guerreira de Malvinas passaram-se apenas quatro anos…
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(*) Raúl Enrique Rojo é doutor em Sociologia, professor da UFRGS e argentino.
1 Cabe destacar que a designação da Argentina como sede da Copa de 1978 foi feita em um Congresso da FIFA celebrado em Londres em 1966, quando também se decidiu que os torneios de 1974 e 1982 se realizariam na Alemanha e Espanha, respectivamente. Em tudo caso, naquele Congresso ninguém podia prever o que sucederia doze anos depois.
2 Eduardo GALEANO, El fútbol a sol y a sombra, Buenos Aires, Siglo XXI, 2006.
3 Composta por Martin Darré, “Veinticinco millones de argentinos” foi muito mais difundida (e popular) que a própria marcha oficial da Copa, de autoria de Ennio Morricone. (o compositor da música de vários espaguete-westerns de Sergio Leone). Talvez porque mais conforme com o pensamento do governo.
4 Quatro anos depois, na Copa disputada na Espanha, se gastou menos da quarta parte.
5 Eduardo VAN DER KOOY, “Un grito en la oscuridad”, in:El libro de oro del Mundial (1930-1998), Buenos Aires, Clarín, 1998.
6 O diplomata não era outro que Marcos Henrique Paranaguá, sobrinho trineto do Marquês de Paranaguá, ministro da Guerra brasileiro durante o conflito da Tríplice Aliança.
7 Pablo LLONTO, La vergüenza de todos. El dedo en la llaga del Mundial 78, Buenos Aires, Ediciones Madres de Plaza de Mayo,2005.
8 O termo pertence a Jean-Marie BROHM e Marc PERELMAN, Le football, une peste emotionelle. La barbarie des stades, Paris, Gallimard, 2006, p. 15.
9 Eric FROMM. La peur de la liberté, Paris, Buchet-Castel, 1963, p. 147-148.
10 Conf. David A. YALLOP, How they stole the game, Londres, Constable, 2011.
11 Até há pouco tempo os ex integrantes da Junta Militar continuavam sendo sócios honorários de River Plate como expressão de agradecimento pelos favores concedidos à dita instituição esportiva.
12 Os estúdios ficam flutuando e recobertos em uma cápsula de ar, evitando os vazamentos de sons provenientes dos aviões que sobrevoam constantemente.
13 Conf. Carlos del FRADE, Ciudad goleada. Central y Ñuls. Fútbol, lavado de dinero y poder, Rosario, Editorial Último Recurso, 2005, p. 24.
14 Wilhelm REICH, L’Analyse caractérielle, Paris, Petite Bibliothèque Payot, 1976, p. 437.
15 Por exemplo entre as frustrações e a reação política, entre o autoritarismo e as rigidezes caracteriais, entre o doutrinamento e a irracionalidade política ou entre as neuroses caracteriais e os preconceitos racistas Conf. Jean-Marie BROHM e Marc PERELMAN,op. cit., p. 36.
16 Eric FROMM, La passion de détruire. Anatomie dela destructivité humaine. Paris, Robert Laffont, 1975, p. 50-51.
17 Theodor W. ADORNO, Minima moralia. Réflexions sur la vie mutilée, Paris, Payot, 2001, p. 150.
18 Gabriel TARDE, L’opinion et la foule, Paris, PUF, 1989, p. 58-59.
19 Elias CANETTI, Masse et puissance. Paris, Gallimard, 1966, p. 34.
20 Wilhelm REICH, L’Analyse caracterielle, op. cit, p. 437.
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Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.
Maduro apresentará amanhã, segunda-feira, provas do ‘intervencionismo’ americano
UOL – CARACAS, 14 Abr 2013 (AFP) – O candidato chavista à eleição presidencial deste domingo e presidente interino da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou que amanhã, segunda-feira, apresentará “novas evidências” do intervencionismo dos Estados Unidos em seu país.
“Com os Estados Unidos há sempre dificuldades porque estão sempre conspirando. Amanhã vamos apresentar novas provas da intervenção direta de funcionários da embaixada americana em situações internas da Venezuela”, declarou Maduro durante coletiva de imprensa logo após votar em um colégio eleitoral de Caracas.
“O que aconteceria se um militar venezuelano, adido militar na embaixada da Venezuela em Washington, começasse a buscar militares no Pentágono para desacreditar a autoridade de (Barack) Obama ou para levantar-se contra Obama?”, acrescentou Maduro, quando perguntado se trabalhá para melhorar as relações diplomáticas com os Estados Unidos, se eleito presidente. ”Enquanto estiver aqui como presidente e a revolução no governo da Venezuela não aceitaremos que humilhem a dignidade deste país”, declarou.
Maduro, que horas antes de notificar a morte de Hugo Chávez em 5 de março anunciou a expulsão de dois adidos militares de embaixada americana acusados de conspiração, assegurou que a regularização das relações diplomáticas dependerá “do respeito a nosso país”.
“Estamos sempre prontos”, insistiu Maduro, que entre 2006 e 2012 foi chanceler.
Os Estados Unidos responderam à expulsão de seus adidos militares com a expulsão de dois diplomatas venezuelanos em solo americano.
Em 25 de março o governo venezuelano também anunciou a suspensão do “canal de comunicação” informal criado no fim de 2012 entre Washington e Caracas.
Desde que Chávez chegou ao poder, em 1999, os dois países têm uma relação tensa, apesar de a Venezuela, com as maiores reservas de petróleo do mundo, vender cerca de 900.000 barris de petróleo por dia para seu vizinho do norte.
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Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.
Júri de réu confesso do Massacre de Felisburgo está previsto para maio
Por Joana Tavares, do Portal Minas Livre
Foi em novembro de 2004. Jagunços armados invadiram o acampamento Terra Prometida, em Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha e mataram cinco trabalhadores. Outros vinte ficaram gravemente feridos, barracos e plantações foram queimados. Quase nove anos depois, o acusado de ser o mandante do crime, Adriano Chafik, que confessou publicamente estar presente no dia da chacina, terá seu primeiro júri. O julgamento, inicialmente previsto para janeiro deste ano, foi finalmente marcado para o dia 15 de maio, em Belo Horizonte.
Segundo Sílvio Netto, da Direção Estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o motivo do adiamento de quase cinco meses foi um problema processual para se transferir o caso da comarca de Jequitinhonha. “Mas são mais de oito anos de espera por justiça, de impunidade para um réu confesso e para um crime de tamanha repercussão”, destaca.
O MST defendia que o julgamento fosse em Belo Horizonte, e não na comarca do caso, em Jequitinhonha, para evitar pressões políticas pela absolvição. Além de Chafik, será julgado, no dia 15, seu primo, Calixto Luedy, acusado de ser responsável pela contratação dos pistoleiros, por alojá-los na cidade após o crime e de armar um esquema de fuga. Os pistoleiros serão julgados em Jequitinhonha, isoladamente. “Na nossa avaliação, a morosidade tem sido tão grande para que se faça Justiça que quando nossos advogados se depararam com a possibilidade de maior adiamento para fazer o julgamento unificado, o Movimento optou par que se faça o julgamento dos principais culpados de imediato”, explica Sílvio.
Recentemente, o acusado de ser o mandante do assassinato de um casal de extrativistas no Pará, José Rodrigues Moreira, foi inocentado pelo júri, que condenou dois pistoleiros. Os 79 policiais militares envolvidos no Massacre do Carandiru, que causou a morte de 111 detentos, serão julgados neste mês, 11 anos depois do crime. Em Carajás, 19 trabalhadores foram assassinados, 114 policiais foram incriminados, mas apenas os dois comandantes, o coronel Mário Pantoja e o coronel José Maria Pereira de Oliveira, foram condenados.
“Temos dito que a Justiça tem lado, e ela demonstra cotidianamente que esse lado não é o dos trabalhadores. Ela nos enfrenta tanto mantendo um crime impune tanto tempo, como tomando lado dos fazendeiros, do latifúndio, do agronegócio nos conflitos de terra, e também absolvendo réus que comprovadamente foram responsáveis por crimes contra os trabalhadores”, pontua Sílvio Netto. “O que vai garantir a condenação, no caso de Felisburgo, é a capacidade de mobilização da sociedade. Mesmo com todas as provas que Chafik é um assassino e foi o principal responsável pelas mortes, será a capacidade de mobilização e indignação das pessoas que pode pautar a condenação”, reforça.
O MST pretende organizar um acampamento por Justiça para Felisburgo durante o julgamento, que deve durar ao menos três dias. Segundo Sívio Netto, está sendo reorganizada uma campanha com a participação de diversas entidades da sociedade civil para organizar a mobilização em solidariedade às famílias acampadas, pela condenação de Chafik e em defesa da reforma agrária.
No dia 17 de abril, data do massacre de Eldorado dos Carajás e dia internacional da luta pela terra, será realizada uma plenária da campanha por Justiça em Felisburgo, em local ainda a ser confirmado. “Vamos homenagear os mortos de Carajás, exigir justiça para o massacre e deflagrar a campanha por Justiça para Felisburgo, com uma convocatória para que toda a sociedade se some nessa luta”, afirma.
Veja abaixo a nota do MST sobre o julgamento.
A Justiça tarda, e se depender do MST não vai falhar
Tombaram cinco Sem-Terra… Mas nós seguimos firmes em frente
O MST depois de mais de 8 anos de impunidade diante do massacre de Felisburgo, vem a público anunciar que oficialmente foi marcado o julgamento do assassino, mandante e réu confesso Adriano Chafick. O julgamento vai acontecer a partir do dia 15 de maio de 2013, em Belo Horizonte a contra gosto do réu que esperava o júri na comarca de Jequitinhonha onde tem maior poder econômico e político.
Ninguém mais do que nós trabalhadores aprendemos o quanto foi e continua sendo sofrida a espera por justiça, pois sabemos que para além de exigirmos justiça pelo brutal e covarde crime que Adriano e seus pistoleiros cometeram, mantê-los soltos significa diretamente uma constante ameaça as nossas vidas, pois esses já provaram que são capazes de promover o inferno na Terra. Assim como se ficarem em liberdade o Latifúndio recebe uma carta branca do Estado Brasileiro para continuar como maquina de morte.
Ao longo do último período, fizemos juntamente com o Comitê Justiça para Felisburgo – espaço composto por vários setores da sociedade, diversas movimentações no sentido de acumular forças para fazer uma condenação popular desses assassinos. Denunciamos e recolocamos a nossa pauta no centro do debate em Minas Gerais, agora é chegada a hora de colocarmos em prática nossa determinação e nos organizar para virmos todos e todas para BH nos dias do julgamento e fazer uma grande mobilização popular, trazendo a mística da indignação presente e que ela nos aponte os caminhos da Justiça para Felisburgo, da Justiça Social e da Soberania Popular.
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Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.
Corrida contra preconceito percorre ruas de São Paulo
Belo Monte: doze questões sem resposta
Por Dion Márcio C. Monteiro*, para OutrasPalavras
Encravado na Amazônia brasileira, o Xingu é um dos mais importantes rios da região. Dele dependem aproximadamente 14 mil indígenas do Mato Grosso e Pará, além de centenas de comunidades compostas por ribeirinhos, pescadores, extrativistas, quilombolas e agricultores familiares. Tiram sua alimentação das águas deste rio, e o utilizam como meio de transporte — não raro, o único. Antes das expedições holandesas, inglesas e portuguesas ao Xingu, ocorridas principalmente no século 17, a população indígena era muito maior, com aldeias que contabilizavam até 3 mil habitantes. Com o passar do tempo, a situação só tem se agravado para as comunidades originárias e tradicionais existentes na região.
Em 1975, sob o comando dos militares que governavam o Brasil desde o golpe de Estado de 1964, a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A (Eletronorte) iniciou os estudos do Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu, primeiro passo no projeto de construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte. Foi responsável por este levantamento o Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores S.A (CNEC Engenharia), empresa naquele momento integrante do grupo Camargo Correa, um dos maiores interessados em participar do processo de construção de Belo Monte.
O ano de 1989 é um marco no processo de resistência ao então chamado Complexo Hidrelétrico do Xingu (o conjunto então proposto, sete barragens no curso do rio). Realizou-se em Altamira, Pará, o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu. Reuniu aproximadamente 3 mil pessoas, entre lideranças indígenas como Raoni Metuktire (cacique Kayapó), Marcos Terena e Ailton Krenak; o então diretor da Eletronorte José Antônio Muniz Lopes (que se tornou presidente da Eletronorte no governo FHC e preside agora a Eletrobrás; o cantor inglês Sting; além de centenas de ambientalistas e jornalistas.
A enorme indignação dos indígenas e demais povos da floresta, e sua intensa repercussão internacional, forçaram o governo a recuar, mudar de estratégia e refazer seu projeto. Porém a ponto de levar empresários e políticos influentes a desistir de suas intenções iniciais. Dezesseis anos depois, em agosto de 2005, a Eletrobrás firmou acordo de cooperação com as construtoras Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correa para a conclusão dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental da UHE Belo Monte. Em maio de 2009 o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) foram entregues ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão brasileiro responsável pela análise destes documentos e posterior emissão das licenças para a realização do leilão e obras da hidrelétrica.
Em fevereiro de 2010, o governo brasileiro emitiu a chamada Licença Prévia (LP) que autoriza o leilão de Belo Monte. Além das empreiteiras já citadas, teve apoio do grupo francês GDF Suez; de importantes grupos eletro-intensivos e mineradores, como Votorantim, Vale e Alcoa; diversos empresários; governadores, prefeitos e parlamentares. Mas por que os povos do Xingu lutam, há mais de vinte anos, contra a construção desta hidrelétrica — apelidada de “Belo Monstro” pelos moradores e moradores da região? A resposta parece ser clara para quem conhece a floresta e o rio, mas aparentemente “incompreensível” para quem mora a milhares de quilômetros de distância, no centro-sul do Brasil.
O EIA/RIMA de Belo Monte foi elaborado pela Leme Engenharia, afiliada ao Grupo Tractebel Engineering, por sua vez vinculado ao grupo GDF Suez, um dos possíveis participantes do leilão para construção da UHE Belo Monte. Em outubro de 2009, cinco meses após a versão final do documento ter sido entregue ao Ibama, chegou ao mesmo órgão, e ao Ministério Público Federal (MPF), um relatório alternativo, de 230 páginas, intinulado “Analise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte”. Foi elaborado por mais de quarenta pesquisadores. Antropólogos, sociólogos, zoólogos, biólogos, etimólogos, doutores em energia e planejamento de sistemas energéticos, historiadores, cientistas políticos, economistas, engenheiros, hidrólogos, ictiólogos, entre outros, compõem um grupo denominado Painel de Especialistas. Ligados a universidades e centros de pesquisas nacionais e internacionais, eles fizeram uma análise detalhada dos estudos de Belo Monte.
Geração média será muito menor que a anunciada.
Lago desalojará 20 mil famílias e custo
da obra, financiado pelo BNDES, pode chegar a R$ 30 bi
Seu relatório levanta várias interrogações ainda sem respostas, além de diversas outras questões que foram abordadas de forma incorreta ou inconsistente no EIA elaborado pela empresa contratada pela Eletrobrás. Reúne uma grande quantidade de informações instigantes.
1. O primeiro fator a chamar atenção – e um dos menos destacados pelo governo federal – é a destinação da energia a ser gerada UHE Belo Monte. Aproximadamente 80% da eletricidade atenderá as empresas do Centro-Sul do país. Até 20%, caso a negociação realizada entre a União e o governo do Pará se concretize, ficarão para atender empresas eletro-intensivas deste estado, principalmente as Vale e Alcoa. Gerarão vantagens competitivas para estes grupos no cenário internacional, mas não proverão nem 1 quilowatt (KW) para as comunidades amazônicas que até hoje não possuem energia elétrica.
2. Também não é divulgado que a energia prometida (aproximadamente 11 mil megawatt (MW), só será entregue durante quatro meses no ano. Em outros quatro meses a usina funcionará apenas com 30% a 40% de sua capacidade máxima; nos quatro meses restantes, não gerará praticamente nenhuma energia. A média anual ficará em torno de 4,5 mil MW, segundo os dados da própria Eletrobrás – uma média muito baixa quando se faz a relação custo-benefício, podendo inclusive inviabilizar financeiramente o projeto.
3. O estudo entregue pela Eletrobrás ao IBAMA não informa que mais de 20 mil pessoas serão obrigatoriamente deslocadas das áreas onde vivem, deixando para trás suas relações sociais e econômicas, além de elementos materiais de suas memórias. Chama atenção que o EIA utiliza como parâmetro a média brasileira de componentes por grupo familiar, entre três e quatro pessoas. Na região amazônica, porém, a média é outra. A bibliografia disponível indica que o grupo familiar é composto, em média, por 5,5 a 7 pessoas. As conseqüências deste equivoco são graves, pois ao subestimar a população remanejada não é possível pensar corretamente as estruturas e equipamentos sociais necessários para atender quem precisará de moradia, escola, posto de saúde, estradas e outros equipamentos públicos. Problemas semelhantes já se manifestaram nas construções das hidrelétricas de Tucuruí (PA), Balbina (AM) e Samuel (RO).
4. O EIA de Belo Monte afirma que o reservatório, com 516 Km², atingirá diretamente três municípios: Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo. Porém, especialistas afirmam que Anapu e Senador José Porfírio também serão afetados pelo lago. O estudo oficial diz que onze municípios sofrerão impactos sócio-econômicos e ambientais da hidrelétrica: Altamira, Senador José Porfírio, Anapu, Vitória do Xingu, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Uruará, Brasil Novo, Gurupá e Medicilândia, perfazendo mais de 300 mil habitantes. Pautado nesta informação, o MPF tem apresentado uma das contestações ao processo de licenciamento. Se o próprio EIA informa que onze municípios sofrerão impactos, sustentam os procuradores do Ministério Público, então não são suficientes as quatro audiências públicas realizadas – em Belém, Altamira, Brasil Novo e Vitória do Xingu. Faltaram a participação, o amplo debate e os esclarecimentos à população afetada, razões de ser das audiências.
5. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), afirmou, em outubro de 2009, que o custo de Belo Monte seria 16 bilhões de reais. Cinco meses depois, e um mês após a emissão da LP, a EPE reavaliou este custo, estimando-o em aproximadamente R$ 20 bilhões. As empreiteiras, principais interessadas na construção da usina, avaliam que o valor final não será menor que R$ 30 bilhões. Esta indefinição sobre o custo total da obra impossibilita uma segura avaliação em relação ao custo-benefício e à viabilidade econômica. É importante frisar que não estão sendo consideradas a rede de transmissão de energia, subestações, e outras estruturas necessárias ao completo funcionamento do complexo hidrelétrico. Em março de 2010, a EPE também elevou, em mais de 20% (de R$ 68 para R$ 83), o preço-teto da energia vendida nos leilões da Usina de Belo Monte.
6. Os empreendedores estimam que aproximadamente 100 mil pessoas migrarão para a região, principalmente rumo à cidade de Altamira. Alguns especialistas falam que este número, como outros informados pelo governo, também está subestimado. Calculam, amparados no que ocorreu em obras semelhantes, um mínimo de 150 mil pessoas. A Eletrobrás observa no EIA/RIMA que 18 mil empregos diretos serão gerados no pico da obra, no terceiro e o quarto anos de construção. Somados os 23 mil empregos indiretos previstos, seriam 41 mil postos de trabalho. Nas contas do próprio governo, portanto, aproximadamente 60 mil pessoas que migrarão não terão emprego em nenhum momento. A obra deve durar dez anos. No final da construção, a quantidade de empregos estimados é de apenas 700 diretos e 2.700 indiretos. O EIA/RIMA avalia que 32 mil migrantes deverão ficar na região após o termino da obra, a maioria em Altamira.
Índios não foram ouvidos adequadamente. Emissões
de gases-estufa podem estar subestimadas. Certas condições do
Ibama só serão conferidas anos após conclusão da usina
7. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) o metano (CH4) é um gás de efeito-estufa que causa um impacto 25 vezes maior no aquecimento global que o gás carbônico, por tonelada emitida. As hidrelétricas são responsáveis pela liberação de metano, pois a vegetação que fica submersa com a formação do lago (no caso de Belo Monte, com mais de 500 Km²), libera, ao se decompor, grandes quantidades do gás. A produção de CH4 também ocorre com o processo de passagem da água pelas turbinas e vertedouros da hidrelétrica, algo ignorado pelo EIA/RIMA. As grandes hidrelétricas agravam em especial esta situação, pois quanto maiores a área alagada, e a água movimentada, maior a emissão de metano.
8. O EIA/RIMA afirma que serão afetadas diretamente pela usina de Belo Monte as Terras Indígenas Paquiçamba (do povo Juruna), e Arara da Volta Grande do Xingu (do povo Arara), além da Área Indígena Juruna do Quilômetro 17 (também do povo Juruna). O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) afirma que também será afetada diretamente a Terra Indígena Trincheira Bacajá (dos povos Kayapó e Xicrin). Porém, mesmo reconhecendo este impacto direto, o governo recusa-se a realizar as oitivas indígenas, conforme determinam o artigo 231 da Constituição e a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Este também é um dos principais questionamentos levantados pelo Ministério Público Federal.
9. Com a construção da barragem principal da usina de Belo Monte, uma área de aproximadamente 100 quilômetros, na chamada Volta Grande do Xingu, terá a sua vazão de água reduzida a algo em torno de 30% do fluxo atual. Sobre isso, o parecer técnico nº114/2009, assinado por seis analistas ambientais do Ibama, e um dos documentos básicos para a emissão da LP, é claro. Diz o parecer: “o estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, a navegabilidade e as condições de vida das populações do TVR [Trecho de Vazão Reduzida]”.
10. Para que as águas do rio Xingu possam fluir da barragem principal até as vinte turbinas que estão previstas para Belo Monte, serão abertos dois gigantescos canais no meio da floresta, o que movimentará aproximadamente 150 milhões de metros cúbicos de terra, e 60 milhões de metros cúbicos de rocha, equivalentes à movimentação de material realizada na abertura do Canal do Panamá. Os impactos não foram totalmente contabilizados no EIA/RIMA de Belo Monte, além de não ter sido fornecida informação clara sobre o local onde o material retirado será depositado, caso a obra avance.
11. O parecer técnico nº114/2009 também afirma que “tendo em vista o prazo estipulado pela Presidência [do IBAMA], esta equipe não concluiu sua analise a contento. Algumas questões não puderam ser analisadas na profundidade apropriada, dentre elas as questões indígenas e as contribuições das audiências públicas”. Porém, em relação ao que puderam identificar, os analistas ambientais destacam, além das questões referentes ao TVR, o não-dimensionamento a contento dos impactos decorrentes do afluxo populacional para a região. Em consequência, podem ser insuficientes as medidas que tentarão preparar a região para receber tal afluxo, além de estar indefinida a responsabilidade de cada agente públicos nas ações necessárias. Um terceiro elemento apresentado no parecer 114/2009 é um elevado grau de incerteza em relação ao prognóstico da qualidade da água, em especial no reservatório dos canais da hidrelétrica.
12. A Licença Prévia nº342/2010, emitida pelo Ibama em 1º de fevereiro de 2010, apresentou quarenta condições para a execução da obra. O cumprimento de várias delas, porém, só poderá ser atestado após a conslusão e pleno funcionamento da obra. É o caso da garantia de qualidade da água, navegação e modos de vida da população da Volta Grande do rio Xingu. A licença também posterga a apresentação das estratégias para garantir a infra-estrutura que antecede as obras. Ela só será definida depois da escolha da empresa que gerará a energia. Estas indefinições estão sendo questionadas por diversos movimentos sociais, ONGs e Ministério Público. Entende-se que não é possível adiar o atendimento destas condicionantes. Após realizado o leilão, a pressão política e econômica do consórcio vencedor para o rápido início dos trabalhos será muito mais forte. Haverá enorme risco de que fiquem à margem do debate fatores importantes para a preservação da vida, e do próprio rio Xingu.
Alternativas: recorrer a fontes limpas, debater
novo paradigma de produção e consumo, rever
relações entre ser humano e natureza
Estes doze pontos, levantados a partir do exame do EIA/RIMA e do relatório do Painel de Especialistas, não esgotam as questões existentes. Uma destas é o perigo iminente de se retomar o projeto original para a construção de hidreléticas no rio Xingu. Ele previa sete represas, número tarde reduzido cinco. As indefinições existentes sobre Belo Monte torna incerta a viabilidade econômica, o que pode despertar a tentação de “completá-la”. O volume de energia entregue pela usina equivalerá a cerca 39% de sua capacidade máxima de geração – enquanto a recomendação técnica é de pelo menos 55%. Nada impede que o governo, no futuro, proponha “otimizar” o empreendimento construindo novas barragens no Xingu.
É interessante também verificar o envolvimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para financiar até 80% de Belo Monte, a instituição precisará se capitalizar, principalmente depois que a EPE reavaliou o custo da obra para R$ 20 bilhões. O banco também financiar o projeto em até trinta anos, dos quais cinco de carência e 25 de amortização. Atualmente, a diretoria do BNDES permite apenas o financiamento em 25 anos, dos quais vinte de amortização. As taxa de juros para o empréstimo ao consorcio ganhador serão as menores do mercado. Vale lembrar que uma das principais fontes de recursos do BNDES é o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), um fundo especial destinado ao custeio do seguro-desemprego, abono salarial e financiamento do desenvolvimento econômico dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil.
Belo Monte é um dos maiores investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Como tal, tem recebido atenção especial. Isto ficou particularmente claro em fevereiro de 2010. A Advocacia-Geral da União (AGU) ameaçou processar membros do MPF que se contrapõem ao licenciamento e construção da usina, alegando que as ações judiciais propostas por eles são “sem fundamento, destinadas exclusivamente a tumultuar a consecução de políticas públicas relevantes para o país”.
Diversas comunidades indígenas já deixaram clara sua oposição à construção de Belo Monte. Uma das mensagens foi expressa em carta enviada em 1º de novembro de 2009, ao presidente Lula, pelos povos indígenas Mebengôkre (Kayapó), Xavante, Yudjá (Juruna), Kawaiwet (Kaiabi), Kisêdjê (Suiá), Kamaiurá, Kuikuro, Ikpeng, Panará, Nafukua, Tapayuna, Yawalapiti, Waurá, Mehinaku e Trumai, habitantes da bacia do Rio Xingu e das regiões circunvizinhas. Reunidos na aldeia Piaraçu (Terra Indígena Capoto/Jarina), afirmaram textualmente: “Caso o governo decida iniciar as obras de construção de Belo Monte, alertamos que haverá uma ação guerreira por parte dos povos indígenas do Xingu. A vida dos operários e indígenas estará em risco e o governo brasileiro será responsabilizado”.
O modelo de desenvolvimento implementado na região amazônica tem sido historicamente pautado nos grandes projetos de exploração vegetal, mineral, e hídrica. Isto pode ser verificado nas hidrelétricas de Tucuruí (PA); Curuá-Una (PA); Balbina (AM); Samuel (RO); nos projetos de exploração de ouro em Serra Pelada, no município de Curionópolis, realizado por uma cooperativa de garimpeiros; na exploração de ferro em Parauapebas, realizado pela Vale; na exploração de bauxita em Juruti, realizado pela Alcoa; exploração de níquel em Ourilândia do Norte, pela Vale; exploração de bauxita em Oriximiná, pela Mineração Rio do Norte/Vale; exploração de Cobre em Canaã dos Carajás (Vale); e exploração de bauxita em Paragominas (mais uma vez, Vale). Todos os projetos citados estão localizados no Pará.
Data do final do século 16 o início da exploração dos recursos naturais da Amazônia. Foi sempre um processo autoritário, que se estendeu na fase “moderna”, a partir do final dos anos 1930. O processo tem demonstrado a insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento e, em especial, a urgência alternativas. Elas incluem um cardápio de transformações. A energia pode ser gerada a partir de fontes limpas: solar, eólica, resíduos da biomassa não-oriundos de monoculturas. Relações humanas sustentáveis não podem sobrepor os elementos econômicos ambientais, sociais ou culturais. O paradigma de desenvolvimento pode perfeitamente estabelecer harmonia entre a natureza e os seres humanos, garantindo a existência primeira do planeta. A insistência no atual padrão ampliará os desastres climáticos e ambientais, já em estágio avançado.
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Dion Márcio C. Monteiro é economista do Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (IAMAS), doutorando em Sociologia na Université Paris-Nord (França), e componente do Comitê Metropolitano do Movimento Xingu Vivo para Sempre.
Bibliografia de referência:
- EIA-RIMA da Usina de Belo Monte (em versão “pdf”).
- Relatório do Painel de Especialistas (em versão “pdf”)
- Parecer Técnico Nº 114/2009 / Ibama.
- Licença Prévia Nº 342/2010 / Ibama.
Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.
Lázaro Ramos entrevista Joaquim Barbosa para o Canal Brasil
“Escuto muito jazz e música clássica, e já fui roqueiro”, contou o presidente do Supremo Tribunal
Da Editoria Gente & Variedades
A nova temporada do programa ‘Espelho’ segue cheia de novidades. O entrevistado da semana, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, bateu um papo com o ator e apresentador Lázaro Ramos sobre o mensalão, gosto musical e trajetória de vida.
“Escuto muito jazz e música clássica, e já fui roqueiro”, conta. Se já pensou em ser ator? “Eu nunca quis. Mas, durante muito tempo, pensei que se tivesse tido uma boa oportunidade seria um bom ator. Mas a timidez fez com que jamais fizesse um teste”, revela. De acordo com a Coluna Vip do jornal Correio* deste dábado (13) a entrevista foi dividida em duas partes. A primeira, trajetória, será exibida na segunda-feira. A outra, justiça, vai ao ar no dia 22 de abril.
Atual projeto de nação não tem lugar para povos indígenas, diz indígena e doutor em antropologia
Gersem Baniwa (Daiane Souza/UnB Agência)
Thiago Pimenta – Portal EBC
Após manifesto de funcionários da Funai por um plano de indigenismo brasileiro, o Portal EBC entrevistou o indígena e doutor emantropologia Social, Gersem Baniwa, que atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Na opinião de Gersem, que é originário do grupo indígena Baniwa (localizado normalmente no noroeste do Amazonas), um plano indigenista passa previamente por um projeto de nação do país, não podendo acontecer de forma dissociada: “Quando observamos a difícil situação de vida dos povos indígenas, pelas permanentes violações de seus direitos básicos, como o direito ao território e à saúde, podemos acreditar que ou o Brasíl ainda não definiu seu projeto de nação; ou já definiu e neste projeto não há lugar para os povos indígenas”, destaca.
O pesquisador, que já trabalhou em projetos no Ministério da Educação, reconhece alguns avanços das ações do governo na área escolar e na saúde indígena. O pesquisador reforça os esforços de gestores e técnicos que tentam avançar nas políticas indigenistas, mas denuncia as pressões sofridas pelos índios brasileiros por outros setores.
PLANO INDIGENISTA
Portal EBC: Antes de tudo, em que consiste um plano indigenista?
Gersem: Um plano indigenista para o Brasil passa pela existência de um Projeto de Nação do Brasil. Quando observamos a difícil situação de vida dos povos indígenas, pelas permanentes violações de seus direitos básicos, como o direito ao território e à saúde, podemos acreditar que ou o país ainda não definiu seu projeto de nação; ou já definiu e neste projeto não há lugar para os povos indígenas.
Portal EBC: O texto da Constituição de 88 reconhece aos indígenas o direito à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e dá a eles os direitos originários sobre as terras que ocupam. Jà a União é responsável por demarcar essas terras, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Não seria esse o começo desse projeto?
Gersem: A sociedade brasileira tentou dar sua contribuição por ocasião da Constituinte de 1988, assegurando direitos básicos que garantissem a continuidade étnica e cultural dos povos indígenas, por meio dos direitos sobre suas terras tradicionais e o reconhecimento de suas culturas, tradições e organização social, além do reconhecimento da plena capacidade civil e de cidadania. Minha hipótese é de que essas conquistas legais tinham relação com sentimento de culpa pelos séculos de massacres e mortes impostos aos índios pelos colonizadores, portanto, como medidas reparadoras do ponto de vista moral.
Mesmo reconhecendo alguns avanços pontuais no campo da educação (acesso à educação básica e superior ampliado), do direito à terra principalmente na Amazônia Legal e de participação política (06 prefeitos e 76 vereadores indígenas), o Estado continua passando por cima das cabeças e de caveiras dos povos indígenas como acontece de forma escancarada e vergonhosa no Estado de Mato Grosso do Sul, onde os índios Guarani-Kaiowá continuam sob fogo cruzado por fazendeiros e políticos da região. Para as elites econômicas e políticas do país, os povos indígenas continuam sendo percebidos e tratados como empecilhos para o desenvolvimento econômico do país (que na verdade é o enriquecimento desses grupos). Portanto, um plano indigenista brasileiro depende necessariamente da clareza de que nação, sociedade e país se quer construir. Os povos indígenas só terão chance se o Brasil assumir com seriedade a construção de um projeto de nação baseada em uma sociedade pluriétnica, multicultural e solidária.
Portal EBC: Quais seriam os pontos são mais importantes para um bom plano indigenista para o país?
Gersem: O ponto mais importante de um plano indigenista é garantir as condições reais para a garantia plena dos direitos indígenas, baseadas no protagonismo e na cidadania dos indivíduos e coletividades indígenas. Somente a garantia desses direitos pode garantir a continuidade étnica e cultural desses povos, por meio de segurança territorial, segurança econômico-alimentar, política de educação adequada e política de saúde eficiente. Isso também daria sinal de que os povos indígenas podem ter seu espaço na sociedade brasileira. Percebemos uma grande contradição na política indigenista atual: uma parte minoritária do Estado (governo) que tenta adotar o discurso e a prática em favor dos povos indígenas e a outras majoritária que ao contrário, adota discursos e práticas anti-indígenas.
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SITUAÇÃO ATUAL DOS ÍNDIOS BRASILEIROS
Portal EBC: Como você vê a atual situação dos indígenas brasileiros? O que precisa mudar?
Gesem: Hoje os povos indígenas do Brasil passam por uma situação muito difícil e ruim, com violações constantes aos seus direitos e com a crescente violência física e de morte que sofrem. Os dez anos seguintes à promulgação da CF de 1988 foram de gradativo processo de conquistas de direitos concretos (demarcação de terras, educação escolar, organização social e participação política) mas, os últimos três anos foram de estagnação com forte tendência de retrocesso sem precedentes para os povos indígenas. A leitura que faço é que o Estado (comandado pelas elites políticas e econômicas) se arrependeu de reconhecer os direitos indígenas e agora faz de tudo para, em primeiro plano, violar esses direitos e em segundo plano, anular ou reduzir esses direitos. Ou é isso, ou o Estado está assumindo sua incapacidade e incompetência para garantir os direitos dos povos indígenas. As políticas existentes são completamente insatisfatórias. Estão sempre voltadas para resolver ou minimizar problemas acumulados. As políticas indigenistas continuam sendo autoritárias, paternalistas e tutelares. Embora o Brasil tenha adotado a Convenção 169 da OIT, há anos, até hoje ela não foi regulamentada. Neste sentido, um plano indigenista moderno precisa superar seriamente a visão imediatista, autoritária e de descaso institucional. Precisa ser construído um plano transparente e participativo de curto, médio e longo prazo, com metas, objetivos e condições claros de implementação. O mais importante é o plano indigenista ser do Estado e não apenas de um governo ou do órgão indigenista.
Portal EBC: Que ações merecem destaque na atual política indigenista?
Gersem: É importante reconhecer que nos últimos houve esforços e tentativas do governo federal em avançar nas políticas de atendimento voltadas para os povos indígenas, principalmente após o fim do monopólio da política indigenista pela Fundação Nacional do Índio (Funai), no início da década de 1990. O Ministério da Saúde tem se esforçado para tentar responder às demandas indígenas. O Ministério do Meio Ambiente iniciou experiências inovadoras ainda no final da década de 1990 em apoio técnico e financeiro para projetos socioeconômicos alternativos e autossustentáveis de comunidades indígenas na Amazônia. O Ministério da Educação empreendeu esforços junto aos estados e municípios em busca de melhorias no atendimento escolar às aldeias indígenas. Sem dúvida que essas experiências das últimas duas décadas lograram avanços e êxitos parciais e de algum modo contribuíram para a recuperação da autoestima e de esperança no futuro dos povos indígenas, expressa por meio do crescimento demográfico desses povos que está se aproximando de um milhão de indígenas no país (considerando que na década de 1960 chegaram à cifra de 200.000 indígenas) e da presença cidadã dos indígenas na vida do país. As experiências revelaram também questões preocupantes, como as limitações do Estado no atendimento aos direitos e anseios indígenas. Os gestores e técnicos de ministérios bem que tentaram avançar nas políticas voltadas aos povos indígenas, mas percebe-se atualmente o limite dessas possibilidades, diante do contexto político e econômico do país. Essas possibilidades esbarram na falta de vontade política dos dirigentes maiores em dar relevância às questões indígenas. Sem determinação política o tema nunca entra na lista de prioridades do governo e, por isso, as instâncias e estruturas que atuam junto a esses povos estão sempre esvaziadas, desestruturadas e desqualificadas, sem recursos financeiros, sem equipes e sem condições administrativas. Deste modo fica difícil assegurar os direitos indígenas que ficam a mercê dos interesses econômicos anti-indígenas. Muitas vezes parece que o governo se presta a servir aos interesses desses grupos.
Portal EBC: Como você avalia o trabalho da Funai hoje?
Gersem: Nos últimos dez anos a Funai tem se esforçado para estar ao lado dos povos indígenas no enfrentamento dos problemas existentes nas aldeias, mas é um órgão do Estado e dos governos, portanto, dominada pela incapacidade e ineficiência institucional. É um órgão com eminência de falência institucional, por ausência de força e crédito político, falta de recursos humanos, equipe reduzida e mal preparada, e com infraestrutura arcaica. É evidente o processo de sucateamento e enfraquecimento do órgão nos últimos anos, na mesma proporção em que as oligarquias econômicas e políticas nos municípios e Estados se organizaram e se fortaleceram contra os direitos indígenas. O enfraquecimento da Funai é o mais claro exemplo do descompromisso do governo e do Estado para com a defesa e garantia dos direitos indígenas no país. Com isso, os povos indígenas cada vez mais estão à mercê e se tornam reféns de municípios, estados e grupos políticos e econômicos hostis aos direitos indígenas. Isso deixa claro também a necessidade de reorganização e fortalecimento do papel do governo federal na defesa e garantia desses direitos.
Portal EBC: Como você vê a atual atenção à saúde prestada aos indígenas?
Gersem: A política de saúde indígena no Brasil é a que mais se esforçou na busca por um plano mais adequado para o atendimento aos povos indígenas que teve início com a implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI´s), enquanto uma etnoterritorialização do atendimento, o que é uma ideia inovadora com grandes possibilidades. No entanto, tem sofrido como todas as demais políticas indigenistas das profundas contradições e irracionalidades da política e da administração pública brasileira. Recentemente foi criada a Secretaria Especial de Saúde Indígena, como resultado de décadas de luta dos povos indígenas, mais uma iniciativa relevante e, no entanto, foi neutralizada pelos gargalos administrativos homogêneos da burocracia estatal pensada para atender as realidades dos centros urbanos. Sem equipes e sem condições logísticas adequadas, a política de saúde indígena está sendo um pesadelo para a saúde dos povos indígenas. O mesmo acontece no campo das políticas de educação escolar indígena, principalmente em regiões da Amazônia e do Nordeste, onde construções de infraestrutura e transporte logístico básicas não são possíveis de serem resolvidas pelos irracionais procedimentos licitatórios. O mesmo acontece com a falta de recursos humanos qualificados para atuar nas aldeias ou próximo às aldeias, pois as formas de contratação, temporárias ou de carreira, não são adequadas, pois dificilmente profissionais qualificados se dispõem a trabalhar nas aldeias com baixos salários pagos pelo poder público.
Portal EBC: Como você vê a situação dos indígenas isolados e recém-contatados?
Gersem: Entendo que esses povos apresentam consciência sobre a situação de não estabelecerem contato permanente com a sociedade nacional e por isso devem ser respeitados nessa decisão. Neste sentido, cabe ao Estado protegê-los, criar condições de proteção sem ação interventiva ou esforço para estabelecer contato, pois estes povos fazem parte da nação brasileira, ainda que desconhecidos da população majoritária.
PRESSÕES SOFRIDAS POR POVOS INDÍGENAS
Portal EBC: Quais são as maiores pressões sofridas pelos indígenas brasileiros? Quais são os agentes dessas pressões?
Gersem: Na atualidade, as maiores pressões aos povos indígenas vêm dos grupos ruralistas e mineradores do país além, é claro, dos próprios agentes do Estado e das grandes construtoras interessados pelos territórios indígenas e principalmente pelos recursos naturais neles existentes. As principais ameaças vêm das elites econômicas, principalmente ruralistas, na medida em que estão, a todo custo, espoliando as terras indígenas. É importante afirmar que não é possível garantir a continuidade etnocultural dos povos indígenas sem a garantia territorial. Mas não podemos esquecer a outra ameaça que vem das igrejas religiosas, que estão realizando, verdadeiros massacres culturais por meio de suas imposições doutrinárias em detrimento das culturas e valores indígenas.
Portal EBC: De que forma essas pressões podem ser aliviadas?
Gersem: Primeiro, a partir de um ordenamento territorial, respeitando-se os direitos constitucionais dos povos indígenas. No Brasil, é necessário se criar o hábito e a cultura de se respeitar as leis e o Estado ou governos precisam criar vontade e capacidades para exerceram o poder para zelar pelo cumprimento das leis, indistintamente de classes, grupos sociais ou credos. Segundo, é necessário respeitar a legislação nacional e internacional que asseguram a participação e a consulta prévia e qualificada aos povos indígenas em qualquer projeto ou programa governamental que lhes afetem. Em terceiro lugar, o que é mais importante é a superação do preconceito histórico sobre os povos indígenas de que são empecilhos para o desenvolvimento do país e a superação do racismo que considera os povos indígenas como atrasados ou não civilizados. Não é possível pensar o Brasil desenvolvido e civilizado enquanto não aprender a respeitar e valorizar um dos seus três pilares étnicos, que formaram o povo e a nação brasileira, que são os povos indígenas ou povos originários.
Portal EBC: As grandes obras como a construção de hidrelétricas e rodovias também ameaçam os povos indígenas?
Gersem: Sem dúvida, depois da luta pela terra as construções de grandes obras ameaçam seriamente a vida presente e futura dos povos indígenas, na medida em que afetam diretamente os ecossistema dos territórios indígenas que são fundamentais para a sobrevivência física e cultural. É importante destacar que os povos indígenas precisam integralmente de seus territórios, enquanto ecossistemas integrados e abrangentes para perpetuarem suas culturas, tradições, seus conhecimentos e seus modos de vida.
Portal EBC: Qual a sua opinião sobre a recente militarização nessas grandes obras, como a presença da Força Nacional no Complexo Tapajós?
Gersem: Acho completamente desnecessária e mostra claramente a atitude arbitrária e autoritária do governo. Mostra ainda total falta de sensibilidade e capacidade de diálogo com o movimento social indígena. E o que mais assusta com essa atitude do governo é a possibilidade de que o governo esteja radicalmente decidido a seguir o discurso de em nome do “relevante interesse público” passar por cima dos povos indígenas, ou seja, mais uma vez os povos indígenas podem pagar com suas vidas o suposto bem estar da sociedade majoritária e pode no futuro próximo estimular instabilidade social nas regiões e no país. Um diálogo franco, transparente e democrático com os interessados deveria ser instituído para mediar e solucionar conflitos de interesses. Nem sempre a força física e militar é a melhor solução para muitos casos.
Portal EBC: A lei 5.371 diz que a Funai deve exercer o poder de polícia nas áreas reservadas e nas matérias atinentes à proteção do índio. Como você vê a questão do poder de polícia conferido à Funai? A instituição deve ter autonomia ou deve recorrer a outros órgãos de segurança pública?
Gersem: Em primeiro lugar não tenho nada contra o poder de polícia da Funai, mas acho isso completamente inviável pelas condições em que o órgão se encontra: enfraquecido, desestruturado e principalmente sem equipe qualificada. Em segundo lugar, é importante considerar o papel do estado brasileiro na defesa e proteção dos direitos dos povos indígenas e, para isso, dispõe de vários instrumentos e mecanismos institucionais, como Ministério Público, a Polícia Federal e a Força Nacional e outros órgãos. Não acredito que somente uma Funai armada irá resolver os problemas dela e dos povos indígenas, mas sim um plano indigenista sério, forte e eficiente, com o peso e a responsabilidade do Estado e dos governos.
Portal EBC: Um delegado da Polícia Federal da Delegacia Vilhena, em Rondônia, sugeriu que a Funai fizesse a regularização quanto ao porte de armas de fogo por parte dos servidores. Você é contra ou a favor do porte de armas por funcionários da instituição?
Gersem: Em primeiro lugar sou contra porte de armas para qualquer cidadão que não represente órgãos de segurança pública, de modo que os funcionários da Funai só deveriam portar armas caso eles exerçam poder de polícia, caso contrário sou completamente contra.
PERSPECTIVAS PARA O INDIGENISMO BRASILEIRO
Portal EBC: Na sua opinião, qual é a maior urgência do indigenismo brasileiro?
Gersem: A maior urgência é a definição clara de uma política indigenista para o país com metas de curto, médio e longo prazo. Uma política que estabeleça com clareza o lugar dos povos indígenas na nação brasileira. E para mostrar compromisso e seriedade com esta política é fundamental a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas que expresse este plano indigenista de curto, médio e longo prazo de forma articulado. O governo federal precisa assumir a responsabilidade pela defesa e proteção dos direitos desses povos, conforme determina a Constituição Federal. Só uma atuação exemplar do governo federal pode tirar os povos indígenas das mãos sanguinárias das elites econômicas, principalmente ruralistas.
Portal EBC: Quais são as perspectivas futuras para o indigenismo brasileiro?
Gersem: De muita angústia, muita dúvida e muita luta na tentativa de evitar que mais uma onda de genocídios volte a ser executada no Brasil. A esperança está em uma geração de jovens indígenas que estão se formando nas academias brasileiras e que ao longo dos próximos anos vão estar assumindo a liderança de suas aldeias e seus povos e, em muitos casos, também ocupando espaços nos órgãos da administração pública e nos poderes constituídos do país e que podem propor e construir novas alternativas de resistência e sobrevivência dos povos indígenas do Brasil. O grande desafio dessa nova geração de lideranças indígenas é domesticar a hostilidade, a ambição, a vaidade e o senso de tirania dos grupos políticos e econômicos que dominam as estruturas e as políticas do Estado e dos governos. Mas tenho certeza que os povos indígenas continuarão sua histórica luta de resistência mas também de fé por dias melhores em mundos melhores.
Edição: Leyberson Pedrosa
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Compartilhada por João Alexandre Guarani Kaiowá.
Perú: La manipulación mediática y la banalización de los medios
Por Payo Pauch – Servindi
14 de abril, 2013.- En las sociedades capitalistas-consumistas, los medios de comunicación masiva (prensa, radio, TV, e Internet) se han convertido en un sector estratégico de influencia y poder en los diferentes ámbitos de la vida económica, política, y sociocultural de un país.
Esta poderosa industria de la comunicación se encuentra enmarcada por objetivos específicos, algunos de los cuales son: la manipulación ideológica, el consumismo compulsivo y la formación de la mentalidad moldeable y sumisa de sus consumidores.
Pues, nos sugestionan, nos hipnotizan, nos manipulan, nos cautivan, para vendernos ideas y productos a través de la información, el entretenimiento y los anuncios comerciales, cuyo objetivo final son sus pingües ganancias y una óptima rentabilidad financiera.
Convierten a su público en apéndices del mercado, con mentalidades programadas, gustos dirigidos e ideas sugeridas. Siendo su función convencer a la población de su adhesión a las ideas y vorágine del libre mercado y el capitalismo salvaje; exacerbando para ello, el individualismo, la competencia, el egoísmo, el éxito material, castrando por ende la conciencia crítica y reflexiva del ciudadano.
El estudioso Vicente Romano, considera que la manipulación va dirigida al pensamiento, los sentimientos y las acciones de la persona, siendo el objetivo final la pasividad y la sumisión. La manipulación se da cuando se producen informaciones fragmentadas, seleccionadas o silenciadas, que nos hacen creer que estamos bien informados, produciendo deliberadamente mensajes que no concuerdan con la realidad social.
El lingüista y politólogo Noam Chomsky, elaboró la lista de las “Diez Estrategias de Manipulación Mediática”, que debemos tener muy en cuenta a la hora de ver, leer y escuchar el contenido de los medios.
Citaré cinco estrategias de Chomsky, para hacer un paralelo con lo que sucede en nuestros medios, a saber:
1.- La estrategia de la distracción: consiste en mantener la atención del público distraída con noticias insignificantes, banales, lejos de los verdaderos problemas sociales, políticos y económicos.
En el Perú, el periodismo de espectáculo ha invadido nuestros medios, la cultura del rating y el sensacionalismo es el que predomina, en detrimento del periodismo de información veraz, que apenas se logra contar con cinco dedos de la mano.
Tanto los reality shows, programas de farándula, de humor, de concursos, ocupan espacios y horarios estelares, provocando espectáculos escandalosos y deplorables, impregnados de violencia, discriminación y chabacanería; conculcando el derecho a la intimidad, mancillando la dignidad, y provocando vergüenza ajena.
Trastocan valores, distorsionando la visión de lo bueno y lo malo, es así que el delincuente juvenil “Gringazo” ganó fama y notoriedad convirtiéndolo en antihéroe.
Todo ello, ante una sociedad indolente, relajada moralmente y tolerante con personajes y sucesos negativos. Pues, “hay que darle circo a la gente”.
2.- La estrategia de la gradualidad: para hacer que se acepte una medida inaceptable, basta aplicarla gradualmente, por años consecutivos; es de esta manera que privatizaciones, desempleo masivo, salarios bajos, se impusieron poco a poco.
En el país, la perorata “el perro del hortelano” del anterior gobierno, cuyo fin es el negociado y venta de nuestros recursos naturales, sigue vigente con la ayuda y apoyo de los medios de derecha. Porque “la plata viene sola” según el expresidente.
3.- La estrategia de diferir: para aceptar una decisión impopular, es necesario presentarla como “dolorosa y necesaria”, obteniendo la aceptación pública, en el momento, para una aplicación futura.
El pedido de indulto para el reo Alberto Fujimori, con apoyo de los medios derechistas, es un claro ejemplo de dicha estrategia. No puede haber impunidad ante delitos graves de lesa humanidad. Sería un craso error político de este gobierno, si le concediera el indulto político.
4.- Utilizar el aspecto emocional mucho más que la reflexión: es una técnica clásica, para causar un corto circuito en el análisis racional y sentido crítico de los individuos. Permite abrir la puerta al inconsciente, para implantar o injertar ideas, deseos, temores, miedos, o inducir a comportamientos.
La prensa de la derecha bruta y achorada de nuestro país, con su discurso mendaz, provocador, y acusador, satanizan sistemáticamente a los Presidentes progresista de América Latina y el Caribe. Especialmente el desaparecido Presidente de Venezuela, Hugo Chávez Frías fue blanco del odio visceral y el escarnio sin precedentes.
Criticados, vapuleados, y calificados de “populistas”, repiten la misma monserga, todos los días, para que algo quede en la memoria de la gente, silenciando maliciosamente las buenas relaciones y cooperación entre los países de la región.
En la política local, los ataques, venganzas, y calumnias, es pan de cada día, los medios no tienen principios solamente cálculos políticos. Se emula a los políticos corruptos y ladrones, y se acusa o silencia a los políticos probos.
La parcialidad y la manipulación de sus contenidos informativos, han provocado la pérdida de credibilidad y ética periodística. Ya lo decía Malcolm X: “Si no estáis prevenidos ante los medios de comunicación, os harán amar al opresor y odiar al oprimido”.
5.- Estimular al público a ser complaciente con la mediocridad: promover al público a creer que es moda el hecho de ser vulgar, inculto, mal hablado, o admirador de gente sin talento, a despreciar lo intelectual, exagerar el culto al cuerpo etc.
Cuando leemos en la prensa, oímos en la radio, y miramos en la TV. e Internet, generalmente nos ofrecen y venden ideología basura y consumismo irracional, creando en el ciudadano una falsa conciencia de bienestar efímera y volátil, que desaparece si no consume.
Asimismo, han hecho de la violencia física y psicológica, uno de sus temas favoritos y cotidianos, lo vemos en los informativos, novelas, películas, series etc. provocando el conocimiento deformado y la mente programada para aceptar como algo natural la mediocridad.
Felizmente hay ciudadanos que van tomando conciencia de la manipulación mediática, y la falta de fiabilidad informativa de nuestros medios.
Es hora de dejar de ser consumidores pasivos de información, y pasar a ser ciudadanos críticos y reflexivos de nuestra realidad. Denunciemos la falta de ética de los dueños de medios y periodistas; luchemos por la regulación mediática; y consumamos medios alternativos y publicaciones con contenidos críticos y de análisis, porque todavía existen periodistas que dicen la verdad por encima del poder mediático.
“Si no lees el periódico, serás un desinformado; si lees el periódico serás un mal informado” (Mark Twain).
Referencias:
- Chomsky, Noam: Diez Estrategias de Manipulación Mediática. En foro.enfemenino.com
- Romano, Vicente: La Formación de la Mentalidad Sumisa. Educap/Epla. Lima-Perú, 2008.
- Serrano, Pascual: Desinformación. Como los medios ocultan el mundo. Ediciones Península. Barcelona-España, 2009.
- Phillips, Meter; Huff, Mickey: Proyecto Censurado 2011. Las 25 historias periodísticas más importantes censuradas por la prensa comercial en 2010. Timeli Ediciones Venezolana- Venezuela, 2011.
Bancada ruralista pressiona para tirar poderes da Funai [e rasgar a Constituição de 1988]
Karine Melo, Repórter da Agência Brasil
Brasília – Deputados da bancada ruralista prometem apertar o cerco contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a atribuição do órgão de auxiliar na demarcação de terras indígenas no Brasil. Entre as estratégias para pressionar o governo por mudanças, integrantes da Frente Parlamentar da Agricultura dizem já ter assinaturas suficientes – mais de 180 – para protocolar um pedido de criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a Funai, mas ainda não há definição sobre quando isso será feito.
Na semana passada o grupo contabilizou duas vitórias. Na primeira, conseguiu convocar a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para prestar esclarecimentos na Comissão de Agricultura da Casa sobre as questões indígenas. A data da ida da ministra ao Congresso deve ser definida ainda esta semana pelo presidente comissão, deputado Giacobo (PR-PR).
Os ruralistas conseguiram ainda, na última quarta-feira (10), o apoio que faltava para a criação de uma comissão especial para apreciar e dar parecer à Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/2000) que inclui, nas competências exclusivas do Congresso Nacional, a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a titulação de terras quilombolas, a criação de unidades de conservação ambiental e a ratificação das demarcações de terras indígenas já homologadas, estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei. A comissão foi criada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), em retribuição ao apoio que recebeu dos ruralistas para comandar a Casa.
“Nós estamos criando uma série de injustiças para aqueles que são proprietários de terras, independentemente do tamanho. O que nos preocupa é a falta de critérios e de uma condição de defesa dentro dos processos de homologação conduzidos pelos antropólogos [da Funai]”, diz o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) que integra a Frente Parlamentar da Agricultura.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reagiu à criação da comissão. Em nota divulgada no site, o Cimi repudiou a decisão. “O ato do presidente da Câmara constitui-se em um atentado à memória dos deputados constituintes, ataca de forma vil e covarde os direitos que os povos indígenas conquistaram a custo de muito sangue e atende os interesses privados de uma minoria latifundiária historicamente privilegiada em nosso país”, diz o documento.
Procurada pela Agência Brasil, a Funai enviou nota classificando a PEC 215/00 como um retrocesso e uma ação contrária à efetivação dos direitos territoriais dos povos indígenas.
“A Funai acredita que tal medida, ao invés de contribuir para a redução dos conflitos fundiários decorrentes dos processos de demarcação de terras indígenas, ocasionará maior tensionamento nas relações entre particulares e povos indígenas, diante das inseguranças jurídicas e indefinições territoriais que irá acarretar”, alerta o documento.
Entre as preocupações da Funai está o fato de a PEC prever a criação de mais uma instância no procedimento administrativo de regularização fundiária de terras indígenas. “Isso tornará mais complexo e moroso o processo de reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas – se não significar sua paralisia -, com graves consequências para a efetivação dos demais diretos destes povos, como, por exemplo, garantia de políticas de saúde e educação diferenciadas, promoção da cidadania e da sustentabilidade econômica, proteção aos recursos naturais, entre outros.”
Esta semana a bancada ruralista na Câmara deve se reunir com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa. No encontro, os parlamentares vão pedir a conclusão do julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol – que ainda depende da publicação do acórdão do julgamento e dos embargos declaratórios a respeito das 19 condicionantes impostas pela Corte, em 2009, para que a demarcação da área fosse mantida em terras contínuas.
Depois que isso for feito, a polêmica Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU) pode entrar em vigor. A norma proíbe a ampliação de áreas indígenas já demarcadas e a venda ou arrendamento de qualquer parte desses territórios, se isso significar a restrição do pleno usufruto e da posse direta da área pelas comunidades indígenas. Ela também veda o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico da terra pelos índios, além de impedir a cobrança, pela comunidade indígena, de qualquer taxa ou exigência para utilização de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.
As divergências da Frente Parlamentar da Agricultura em relação às atribuições da Funai também levaram o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a se comprometer a criar um grupo de trabalho para receber as manifestações dos deputados. Em 30 dias, representantes da Secretaria de Assuntos Legislativos da pasta, da Funai e parlamentares devem começar a discutir propostas que envolvem a demarcação e desapropriação de terras no país.
A Frente Parlamentar Ambientalista, presidida pelo deputado Sarney Filho (PV-MA), marcou uma reunião para a próxima quarta-feira (17). Na avaliação dos ambientalistas, os apoiadores da PEC 215 são motivados por “interesses pessoais e individuais contrariados”. “A PEC é um retrocesso absoluto, ela acaba com qualquer possibilidade de política indigenista e de política ambiental. Tirar a prerrogativa do Poder Executivo de criar unidade de conservação e reservas indígenas e passar para o Congresso é a mesma coisa de dizer que não vai ter mais”, disse Sarney Filho.
Edição: Lílian Beraldo
CE – Antiga Jaguaribara reaparece nas águas do Açude Castanhão
Postes de iluminação pública indicam onde ficavam as ruas, 11 anos depois da inundação. Fotos: Ellen Freitas
Postada por Janete Melo, com o comentário: “Alguns dias antes da remoção completa da população estive na cidade antiga (já em ruínas) e na nova, projetada; os dois cenários eram desoladores. Há informações que os índices de suicídio são altos. As autoridades não falam, mas o processo foi concluído às pressas devido a uma grande chuva que ocorreu na região, fazendo com que as águas subissem muito rapidamente. Há relatos de que pelo menos 35.000 animais tenham ficado submersos. Em 2011 voltei à cidade; a tristeza ainda ronda por todos os recantos da região”.
Reportagem visitou as ruínas da cidade, que desapareceu com a construção do maior reservatório do Ceará
Ellen Freitas, Diário do Nordeste
Jaguaribara O sertão que virou mar diante dos “jaguaribarenses”, há mais de uma década, voltou a emocionar a população, quando a seca decidiu revelar as ruínas da antiga cidade. O Açude Castanhão, responsável por transformar a vida de inúmeras famílias, hoje devolve um pouco de uma história de luta e partida, acompanhada de momentos importantes da cidade e do Estado.
Da parede da barragem é impossível saber onde se localiza a antiga cidade, que fica há cerca de 50 km de distância da nova sede. A reportagem acompanhou, com exclusividade, a primeira visita às ruínas da Velha Jaguaribara após 11 anos de sua inundação. Para chegar ao local foi preciso navegar durante uma hora, sendo esta a rota mais próxima. A visita foi acompanhada pelo vereador Mathusalém Maia, que foi o primeiro a saber das ruínas, a Coordenadora de Cultura do município, Mariane Souza e pelo guia Gil Queiroz, sendo os dois primeiros antigos moradores da cidade.
Nos primeiros quilômetros, era quase impossível de imaginar o que haveria ali. A cidade teve mais da metade dos seus prédios e casas demolidos e tudo ficou submerso durante todo esse tempo. Aos poucos, o trajeto foi se revelando pelos galhos das árvores e pelas grandes pedras que indicavam o caminho da velha localidade. As primeiras surpresas foram os postes que levavam eletricidade. Eles resistiram à força das águas e se mantiveram de pé, dando uma vaga ideia de como era a região.
Reminiscências
De repente, já estava em vista os escombros da antiga caixa d´água no bairro São Vicente, que abastecia toda a cidade. As ruínas foram trazendo à tona o que existia ali.
“Eu não tinha grandes expectativas na ida porque eu já tinha visto a cidade toda demolida antes das águas cobrirem, mas quando eu avistei de longe a caixa d´água me veio na cabeça o tempo em que tudo ainda estava ali. Lembrei de quando eu corria por ali de bicicleta, dos jogos no campinho em frente. Faz tanto tempo que eu deixei o lugar, mas me senti de novo em casa, na minha cidade, no meu lar, onde vivi metade da minha vida”, recorda Mariana. Ela tinha apenas 12 anos quando viu toda a sua cidade virar escombros.
E logo ali em frente dava para ver o enfileirado de postes de iluminação, os alicerces das residências, os locais onde ficava a pracinha, a igreja, as casas dos amigos, o rio que era o principal lazer dos moradores e a vida que existia, debaixo de milhares de metros cúbicos de água.
Navegando pelo local mais uma surpresa. O monumento erguido em homenagem ao centenário de morte do revolucionário Tristão Gonçalves de Alencar Araripe estava totalmente descoberto, cercado por antigas árvores. Alí, sucumbiu o então Presidente da Confederação do Equador no Ceará, morto por tropas imperiais. A revolução pretendia emancipar os estados do Nordeste dos domínios da Coroa e instalar um regime republicano.
Na época, a localidade era conhecida como Santa Rosa, pertencente ao território de Jaguaretama. Tristão morreu lutando em 30 de outubro de 1824. No centenário de sua morte, em 1924, o Instituto Ceará ergueu o monumento no local exato onde seu corpo foi encontrado, pendurado em uma árvore.
Explorando ainda o local, foi avistada uma casa que não foi encoberta pela água. Era residência do fazendeiro mais importante da cidade, Melanias Bezerra. Ao ver os escombros da casa onde nasceu, Mathusalém não conteve as lágrimas. Depois de alguns minutos em silêncio, observando a grande pilha de tijolos, ele conta que sua casa era uma das que não haviam sido demolidas e descreve emocionado o que havia ali.
Na internet
“Eu e meus irmãos, brincávamos debaixo dessa árvore, lembro de ficar correndo com os meninos, nesse espaço da frente. A gente costumava ir ajudar o papai a espremer cana-de-açúcar pra gente tomar com limão”, conta, emocionado. De volta à sede, os primeiros registros fotográficos feitos pelos que estiveram na visita ganharam as redes sociais. Sensibilizadas, algumas pessoas choraram ao relembrar com saudades da antiga cidade e de tudo o que viveram. As lembranças voltam como um filme triste. Houve até quem dissesse ter vontade de reconstruir tijolo por tijolo, para voltar aquele tempo.
O projeto de construção do açude foi um choque para a população, segundo conta a Irmã Maria Bernadete, que acompanhou como tudo aconteceu. “Em 1985, Jaguaribara vivia seu melhor momento tanto político quando de mobilização social e, de repente, veio essa notícia de que seria evacuada para construção da barragem.
Resistência à obra
Foram sete anos de luta contra a construção da obra, tudo o que pudemos fazer foi feito e, em 1999, foi dada a licença de instalação. “Não podíamos fazer mais nada”, relata.
Diante de brigas na Justiça por alguns direitos que até hoje não foram conquistados, pendências com relação à posse de casas e lotes para os agricultores, Irmã Bernadete conta um dos momentos mais emocionantes de toda essa história.
“Havia um pescador, inconsolado de cócoras ao lado do rio, chorando muito. Sua mudança já estava toda no carro e estavam aguardando ele para partir. Eu fui até ele e fiquei do seu lado, quando ele perguntou ´ Irmã, como é que eu vou me separar desse rio?´, e eu respondi que ele voltasse lá sempre que sentisse saudades. Depois disso não o vi mais nem recordo de seu nome, mas eu me emociono todas as vezes que lembro de seu sofrimento ao ter de deixar o lugar”, relata a irmã.
Documentários, reportagens, livros, artigos, há uma vasta literatura sobre a história da Velha Jaguaribara. Porém, o que há de mais precioso, as pessoas carregam em suas memórias e em seus corações. Sentimentos que jamais poderão ser descritos com tamanha intensidade. Só quem viveu e viu toda a história acontecer sabe o quanto é importante preservar a memória do lugar para manter a identidade dos novos moradores.
Hoje, a população aguarda ansiosamente o projeto de construção da Casa da Memória, um museu que contará toda a história desse momento importante para a história da cidade. Os poucos objetos que restaram da velha cidade coberta pela água estão expostos em uma pequena casa alugada pela Prefeitura.
Ruralistas orquestram campanha para manipular opinião pública e pressionar Joaquim Barbosa, Presidente do STF
Tania Pacheco – Combate ao Racismo Ambiental
A matéria abaixo é reproduzida do Correio do Estado, de Mat0 Grosso do Sul, sobre uma coletiva dada ontem pela direção da Federação de Agricultura e Pecuária de MS. Com pequenas variações, as alegações são as mesmas que vêm sendo repetidas até a náusea, inclusive as acusações à Funai, culpada de incitar invasões e violências. O novo dos dois últimos dias, que justificou a coletiva, foi a morte do “produtor rural” cuja “propriedade” teria sido invadida. Não por acaso, todas as primeiras versões publicadas a respeito tiveram a assinatura da própria Famasul. Por que a publico? Porque considero fundamental, em determinadas conjunturas, estar atenta a determinados discursos.
Não há dúvida de que o ex-PM morreu e de que um indígena está hospitalizado. O problema é como a mesma história é contada. No caso da Famasul, trata-se de uma campanha claramente orquestrada, preparando o encontro que 18 senadores ruralistas terão terça-feira, 16, a partir das 18:30h, com o Presidente do Supremo, Joaquim Barbosa. A pauta será exatamente “a publicação do acórdão dos embargos declaratórios do processo Raposa Serra do Sol por parte do STF” (entre aspas uma vez que retiro a frase do texto abaixo), fundamental para que a AGU 303 entre em vigor, e os direitos dos povos indígenas – mas não só – sejam varridos para a lata de lixo da Justiça brasileira.
Até o final da tarde de terça teremos, com certeza, uma enxurrada de declarações (não é sem motivo que Kátia Abreu vem usando microfones, fotógrafos e cinegrafistas diariamente), numa escalada de tentativas de manipular a opinião pública e de pressionar o Presidente do STF. E mais: é bem possível que não faltem provocações para que novos atos de violência aconteçam, de forma alimentar a fogueira do discurso ruralista.
Considerando esse cenário que me parece bastante preocupante, antes de publicar a notícia da Famasul gostaria de fazer duas observações. A primeira é que postarei, antes dela, o título linkado da reportagem escrita por Ruy Sposati para o CIMI, sobre os acontecimentos de sexta-feira, dia 12. Sugiro que ela seja lida antes ou depois, não importa. A segunda observação é mais complicada; é fundamental que tenhamos tod@s bem claro que, caso a AGU entre em vigor, não serão apenas os direitos dos povos originários e tradicionais que estão sendo varridos para a lata de lixo. Junto com eles estarão indo, igualmente, a Convenção 169, parte da Constituição brasileira e, é óbvio, o que nos resta de crença no Supremo Tribunal Federal e na própria Justiça.
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– Texto de Ruy Sposati: “Demarcação inconclusa de terra indígena provoca invasão, conflito e morte no MS”
– Texto do Correio do Estado, de MS:
“Famasul diz que Funai descumpre lei e estimula violência
O Ministério da Justiça tem a responsabilidade de atuar na resolução da questão indígena, em especial nas condutas da Fundação Nacional do Índio (Funai), que descumpre a legislação, ignorando inclusive diretrizes do Supremo Tribunal Federal (STF), nos procedimentos demarcatórios no Estado. A afirmação é do diretor financeiro da Federação da Agricultura e Pecuária de MS (Sistema Famasul), Almir Dalpasquale, durante coletiva de imprensa neste sábado (13) motivada pela morte do produtor rural Arnaldo Alves Ferreira, 68 anos, ocorrida na tarde de ontem (12).
Dono de uma pequena área, Ferreira foi amarrado e espancado por um grupo de indígenas que invadiram sua propriedade. Ferreira chegou a ser socorrido pela PM, mas morreu a caminho do hospital. Segundo informações levantadas pelo Departamento de Operações de Fronteira (DOF), os indígenas estavam em conflito com o produtor já há alguns dias, ameaçando invadir a propriedade.
“Há tempos buscamos a aprovação da Portaria 303 para normatizar os procedimentos demarcatórios. Quantas mortes ainda teremos? Onde vamos chegar?”, lamentou Dalpasquale. A Portaria 303 determina que a administração pública federal siga as diretrizes definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para o Caso Raposa Serra do Sol, como por exemplo, a impossibilidade de ampliação de terras indígenas já demarcadas. A vigência da Portaria está condicionada à publicação do acórdão dos embargos declaratórios do processo Raposa Serra do Sol por parte do STF.
Durante a coletiva, o diretor secretário da Famasul, Ruy Fachini, destacou que ao agir de modo insubordinado em relação às diretrizes do STF, a Funai não só descumpre a legislação como cria expectativas nas comunidades indígenas, estimulando invasões e violência. Atualmente, Mato Grosso do Sul tem 54 propriedades invadidas.
Dalpasquale lamentou que o descaso tenha resultado na perda de mais uma vida e disse que a Famasul vai acompanhar as investigações e a apuração do assassinato. E destacou que a vida é um preço muito alto pela omissão do poder público. “O desenvolvimento do Centro-Oeste está ligado à expansão da agropecuária com a vinda de produtores trazidos pelo Governo Federal, do qual muitos receberam áreas. Esse mesmo poder público não pode agora lavar as mãos diante do problema”, enfatizou”.